03 fevereiro, 2012

Doce existir



"...Muitos anos de sua existência gastou-os à janela, olhando as coisas que passavam e as paradas. Mas na verdade não enxergava tanto quanto ouvia dentro de si a vida. Fascinara-a o seu ruído - como o da respiração de uma criança tenra-, o seu brilho doce - como o de uma planta recém-nascida. Ainda não se cansara de existir e bastava-se tanto que às vezes, de grande felicidade, sentia a tristeza cobri-la como a sombra de um manto, deixando-a fresca e silenciosa como um entardecer. Ela nada esperava. Ela era em si, o próprio fim.
Uma vez dividiu-se, inquietou-se, passou a sair e a procurar-se. Foi a lugares onde se encontravam homem e mulheres. Todos disseram: felizmente despertou, a vida é muito curta, precisa-se aproveitar, antes ela era apagada, agora é que é gente.
Ninguém sabia que ela estava sendo infeliz a ponto de precisar buscar a vida"


Clarice Lispector em Perto do Coração Selvagem









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